O despejo antes da morada - Conto Vozes Portuguesas 9

O despejo antes da morada 

Sair de seu país, mesmo que seja por pouco tempo, é uma possibilidade maravilhosa, mas dá trabalho. Para uma estudante, hotel, pousada, alugar uma casa ou um flat, nada disto cabe no orçamento. Sozinha tudo é muito caro. 
O jeito é procurar um quarto em uma república. 
O fato de não conhecer ninguém no local é outro inconveniente, mas dá para superar, desde que se pague tudo adiantado. Entre uma troca e outra de e-mails, telefonemas e uma pressão tremenda da locatária para fechar o negócio, consegui um quarto na Rua Santa Luzia, na freguesia de Ramalde. 

Era julho de 2017. 

Arrendamento feito, caução enviada em Euros, era hora de relaxar e esperar a data da viagem. Destino: Porto! Não tive nenhum problema no aeroporto, alfandega, translado. Fui surpreendida com a simplicidade e facilidade de deslocamento. 
Cheguei à casa, percebi que a república era mista. 
E entre olhares curiosos e sussurros em diversos idiomas, 12 indivíduos entre 18 e 22 anos, assustaram-se ao me ver. 
O problema? 
Uma estudante de 46 anos! Como se estudar depois dos 25 anos fosse crime. 
Me vi a estranha no ninho. 
 - En voi uskoa, että haluat olla äitimme. 
- Je n’arrive pas à croire que tu veuilles être notre mère. 
- ¿Estudiante? a esa edad? ... 
- Entre. 
Pobres coitados, a vida não tem uma linha equânime a todos, cada um tem sua estrada esburacada a seguir e entre mata-burros e asfaltos, não há atalhos. 

Desfeitas as malas, saí para fazer um reconhecimento do trajeto da minha nova residência até a Universidade, bem como das redondezas. Aproximadamente 8km de relevo tranquilo. 

Ao retornar, todos reunidos à sala, como que a espera do capítulo da novela Vale Tudo, no qual anunciavam “quem matou Odete Roitman”. 

Um jovem brasileiro, mas carregado de sotaque português, como que ali houvesse nascido, pôs-se a dizer-me: 
 - Olha, cá estamos para avisar que a casa foi vendida. Terás que procurar outro canto para ficares até o sábado pela manhã. Quanto ao dinheiro, terás tudo em mãos na quarta-feira da semana que chega. É tudo. Passar bem. 


Um a um, foram em direção aos quartos me deixando sozinha na sala. 

Relutar? 
Para quem? 
Com quem? 

Em desespero, comecei minha luta pelo telemóvel (ligação internacional) em busca de uma vaga em qualquer canto e rezando para que coubesse no orçamento disponível. 

De pronto, eu sabia que teria dificuldades, pois sem uma entrada ninguém alugaria. 

Nos dias seguintes, na universidade, a conversa era uma só, como se fosse uma bravata. 

Olhavam para mim com desconfiança. Como alguém é despejado antes mesmo de entrar? A história já havia corrido, para o bem ou para o mal. 

Sem esperanças, me permiti ao menos não retornar ao Brasil sem antes conhecer a Região do Douro. Voltaria para casa abastecida pelo manjar dos Deuses. 

Comprei um passeio e fui me embriagar. 

Pelas bandas da freguesia de Casal de Loivos, cansada de tantos sotaques diferentes, fui me juntar à mesa de alguns brasileiros. 

Uma “senhora” muito esquisita ao saber do despejo, me informou que havia um quarto a vagar na república onde estava. Não questionei nada. 

Alívio. 

Voltei, juntei minhas tralhas e parti para a Rua Diogo Cão, freguesia de Paranhos. 

Todos brasileiros, todos com mais idade, perfeito! 

Cheguei, deixei minhas coisas na sala, pois o quarto não tinha vagado. 

Entre olhares estranhos e sem nada entender, cansada do passeio, acabei por no sofá adormecer, sem saber que aquela era a cama de um dos moradores. 

Quarto? Não existia. Lotação esgotada, mais uma furada a qual consegui sobreviver. 

Como? 

Dormindo no sofá, fugindo da escada e muitos vinhos a beber. Havia também uma louca... “a senhora”, mas essa é outra história para contar.

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